O Senhor de Peruíbe V
As crianças debandaram e os mais velhos simplesmente olharam, sem saber como agir.
— Se nós tivéssemos adultos por perto... – Porquinha começou depois de a floresta estar completamente carbonizada, com somente alguns pontos brilhantes, até pareciam estrelas.
— Nós não precisamos de adultos. Isso é uma autogestão. – atalhou Nonô.
— A concha, pegue a concha para falar. – disse Caio pegando a concha da mão de Porquinha. – E não adiantaria nada ter adultos por perto. Foi um acidente que só poderia ter sido evitado se nós não tivéssemos feito a fogueira. E todos sabem que ela é essencial para o nosso resgate.
— Pelo menos eu e Porquinha, que estávamos aqui não vimos ninguém ir em direção ao fogo. Acho que ninguém se feriu ou... – Manfrim não conseguiu terminar a frase, inseguro do que dizia.
— Ah, não? Alguém está vendo aquele menino do cabelo esquisito que estava lutando contra as árvores? – Porquinha apontou para a aglomeração de pequenos, ainda assustados, que se formava por perto.
— Ele deve estar perdido por aí...provavelmente – disse Bacchi, ou teria sido Marcel? Ah, dá na mesma.
— A concha, não se esqueçam da concha! – disse Caio, pegando a concha que parara na mão de Manfrim.
— Esquece essa concha, seu liderzinho burocrata de...
— Quem é você pra falar? – se rebelou Alexandre.
— Eu sou quem deveria ter sido líder, seu vira-casaca fracote.
— Ele foi eleito pela maioria, democraticamente. – disse Manfrim.
— Cala a boca, quatro-olhos! – interveio Vitor.
E sem se dar conta, Caio se viu lançando seu punho em socos para todos os lados. Porquinha e os gêmeos tentavam separar o coro dos meninos “do bem”. Mas a menina, devido ao seu tamanho e peso diminutos, foi atirada na direção da piscina. O jato de água decorrente disso pareceu chamar a atenção dos guerreiros, que travaram uma trégua silenciosa e se voltaram para a água. De lá saía a menor e mais assustadora figura que qualquer um deles já vira; encharcada e mancando por causa de um hematoma do tamanho da sua coxa, ela parecia à beira de um ataque homicida.
— Não olhem pra mim, seus imbecis! O que aconteceu com o Manfrim?
Lá estava, o dono dos óculos, semi-cego, tateando em busca da coisa mais próxima de um fósforo que eles tinham (óculos produz fogo –> fogo = luz/brilho = lampadinha = idéia ~ sabedoria), e lá estavam os óculos, ou metade deles rodeada por pequenos cacos de vidro.
(½ óculos = pessoas ½ burras)
Por sorte, a lente quebrada era a esquerda, mais fraca. Eles ainda poderiam usar a outra para fazer a fogueira. Mas Manfrim não parecia feliz com isso ao colocar o monóculo na cara.
Caio decidiu que eles não podiam se abalar, ele tinha que retomar o controle. Levantou a concha o mais alto que pôde, o que chamou a atenção de todos inclusive dos pequenos.
— Nós precisamos nos reestruturar, meus correligionários, imediatamente. Esses incidentes não podem acabar com a organização que nós alcançamos. Temos que – o que o levara a entrar naquela briga? Por que ele cedera à barbárie? O que ele estava dizendo? Todos o encaravam. – ah...temos que...tomar atitudes: Bacchiemarcel, eu quero que vocês juntem mais madeira e levem os óculos para fazer uma nova fogueira na montanha. Porque ela é importante.
— Sim senhor.
— Nós temos que, juntos, construir cabanas para nos abrigar da chuva e, bem, de qualquer outro perigo que possa nos perturbar.
— Seus bichas, quem precisa de cabana...Eu vou caçar. Aquele porquinho me escapou por pouco. Mas eu vou me vingar. – Nonô fez uma cara maléfica e se afastou com seus caçadores.
— Eu não posso ajudar por causa desse machucado. O que meu pai ia pensar se visse isso...
— Eu também não. Eu não enxergo e tenho asma.
— Você tem ass-mar*?
Passou-se algum tempo, os meninos estavam sujos, com roupas rasgadas e cabelos compridos. Mas Caio estava satisfeito. A fogueira fora mantida acesa durante a maior parte do tempo (mesmo que ela não tenha servido para nada, já que nenhum navio passou), as cabanas estavam em pé, ou praticamente, e não havia mais brigas. Por mais que, vez ou outra, algum dos pequenos, especialmente aquele Denis, acordasse com um pesadelo, não se falava mais em monstros e serpentes, nem no menino do cabelo grande.
Naquela manhã, durante a sua regular vistoria, o líder reparou no resultado da dieta rica em fibras daqueles meninos, baseada exclusivamente em frutas (algumas um pouco estragadas) e cocos (ver apêndice) – e ele cheirava mal. Ele devia convocar uma reunião sobre isso.
Honório, por outro lado, se frustrava mais a cada dia. Até agora não conseguira matar um porco sequer. E cada vez com mais freqüência ele se sentava em um canto, tremendo a perna e pensando no que o impedira de derramar o sangue de sua caça e nas formas que poderia empregar para conseguir da próxima vez. Naquele dia ele se sentia perto de achar a solução, quando ele ouviu o som que mais odiava. O sopro da concha chamava, e todos seguiam hipnóticamente.
*no original há um trocadilho intraduzível entre asthma (asma) e ass-mark (mancha na bunda). (N.T)
— Se nós tivéssemos adultos por perto... – Porquinha começou depois de a floresta estar completamente carbonizada, com somente alguns pontos brilhantes, até pareciam estrelas.
— Nós não precisamos de adultos. Isso é uma autogestão. – atalhou Nonô.
— A concha, pegue a concha para falar. – disse Caio pegando a concha da mão de Porquinha. – E não adiantaria nada ter adultos por perto. Foi um acidente que só poderia ter sido evitado se nós não tivéssemos feito a fogueira. E todos sabem que ela é essencial para o nosso resgate.
— Pelo menos eu e Porquinha, que estávamos aqui não vimos ninguém ir em direção ao fogo. Acho que ninguém se feriu ou... – Manfrim não conseguiu terminar a frase, inseguro do que dizia.
— Ah, não? Alguém está vendo aquele menino do cabelo esquisito que estava lutando contra as árvores? – Porquinha apontou para a aglomeração de pequenos, ainda assustados, que se formava por perto.
— Ele deve estar perdido por aí...provavelmente – disse Bacchi, ou teria sido Marcel? Ah, dá na mesma.
— A concha, não se esqueçam da concha! – disse Caio, pegando a concha que parara na mão de Manfrim.
— Esquece essa concha, seu liderzinho burocrata de...
— Quem é você pra falar? – se rebelou Alexandre.
— Eu sou quem deveria ter sido líder, seu vira-casaca fracote.
— Ele foi eleito pela maioria, democraticamente. – disse Manfrim.
— Cala a boca, quatro-olhos! – interveio Vitor.
E sem se dar conta, Caio se viu lançando seu punho em socos para todos os lados. Porquinha e os gêmeos tentavam separar o coro dos meninos “do bem”. Mas a menina, devido ao seu tamanho e peso diminutos, foi atirada na direção da piscina. O jato de água decorrente disso pareceu chamar a atenção dos guerreiros, que travaram uma trégua silenciosa e se voltaram para a água. De lá saía a menor e mais assustadora figura que qualquer um deles já vira; encharcada e mancando por causa de um hematoma do tamanho da sua coxa, ela parecia à beira de um ataque homicida.
— Não olhem pra mim, seus imbecis! O que aconteceu com o Manfrim?
Lá estava, o dono dos óculos, semi-cego, tateando em busca da coisa mais próxima de um fósforo que eles tinham (óculos produz fogo –> fogo = luz/brilho = lampadinha = idéia ~ sabedoria), e lá estavam os óculos, ou metade deles rodeada por pequenos cacos de vidro.
(½ óculos = pessoas ½ burras)
Por sorte, a lente quebrada era a esquerda, mais fraca. Eles ainda poderiam usar a outra para fazer a fogueira. Mas Manfrim não parecia feliz com isso ao colocar o monóculo na cara.
Caio decidiu que eles não podiam se abalar, ele tinha que retomar o controle. Levantou a concha o mais alto que pôde, o que chamou a atenção de todos inclusive dos pequenos.
— Nós precisamos nos reestruturar, meus correligionários, imediatamente. Esses incidentes não podem acabar com a organização que nós alcançamos. Temos que – o que o levara a entrar naquela briga? Por que ele cedera à barbárie? O que ele estava dizendo? Todos o encaravam. – ah...temos que...tomar atitudes: Bacchiemarcel, eu quero que vocês juntem mais madeira e levem os óculos para fazer uma nova fogueira na montanha. Porque ela é importante.
— Sim senhor.
— Nós temos que, juntos, construir cabanas para nos abrigar da chuva e, bem, de qualquer outro perigo que possa nos perturbar.
— Seus bichas, quem precisa de cabana...Eu vou caçar. Aquele porquinho me escapou por pouco. Mas eu vou me vingar. – Nonô fez uma cara maléfica e se afastou com seus caçadores.
— Eu não posso ajudar por causa desse machucado. O que meu pai ia pensar se visse isso...
— Eu também não. Eu não enxergo e tenho asma.
— Você tem ass-mar*?
Passou-se algum tempo, os meninos estavam sujos, com roupas rasgadas e cabelos compridos. Mas Caio estava satisfeito. A fogueira fora mantida acesa durante a maior parte do tempo (mesmo que ela não tenha servido para nada, já que nenhum navio passou), as cabanas estavam em pé, ou praticamente, e não havia mais brigas. Por mais que, vez ou outra, algum dos pequenos, especialmente aquele Denis, acordasse com um pesadelo, não se falava mais em monstros e serpentes, nem no menino do cabelo grande.
Naquela manhã, durante a sua regular vistoria, o líder reparou no resultado da dieta rica em fibras daqueles meninos, baseada exclusivamente em frutas (algumas um pouco estragadas) e cocos (ver apêndice) – e ele cheirava mal. Ele devia convocar uma reunião sobre isso.
Honório, por outro lado, se frustrava mais a cada dia. Até agora não conseguira matar um porco sequer. E cada vez com mais freqüência ele se sentava em um canto, tremendo a perna e pensando no que o impedira de derramar o sangue de sua caça e nas formas que poderia empregar para conseguir da próxima vez. Naquele dia ele se sentia perto de achar a solução, quando ele ouviu o som que mais odiava. O sopro da concha chamava, e todos seguiam hipnóticamente.
*no original há um trocadilho intraduzível entre asthma (asma) e ass-mark (mancha na bunda). (N.T)
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14 Comments:
Eu.... eu.... eu....
..............
morri...?
sinto muito...
pelo menos você não passou para o lado do mal...
Pelo menos você estava na ilha!
hahahah como sempre muito bom!
Camila,
a referência a queda na piscina foi excelente. Fiquei aqui pulando que nem um retardado.
Nonô está ganhando um ar mais autoritário. Estou com medo do que possa acontecer com o proletário.
É imprescindível tomar cuidado com os rumos da história no atual estágio em que as personagens se encontram.
Nada mais.
Prolet. Arneiro
Hoje estamos aqui para celebrar a morte do menino de cabelo estranho.
Amém.
Quem mandou os idiotas terem a idéia de acender aquela fogueirinha... Arrhhhh... São uns imbecis, isso que dá deixar meninos tomarem conta das coisas...
Ass. Miss Piggy
tadinemo
Amai o próximo do mesmo geito que é amado. Falai que ama à aquele que realmente ama. Odiai aquele que te empurrou na piscina.
excelente comentário, guru!
ei pessoal, posso escrever o próximo capítulo?
Não, eu não concordo que vc escreva um capítulo, seria estranho.
seria... errado!
Queremos apêndice!!!
Queremos apêndice!!!
Queremos apêndice!!!
não posso postar o apêndice enquanto a Muri não postar o...uma outra coisa. existe uma ordem que eu preciso respeitar.
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