21 outubro, 2007

Azul

O homem ofegava baixinho enquanto se movia furtivo por entre as árvores. Tudo estava muito quieto à sua volta e o menor barulho, sabia ele, tiraria a floresta escura de seu sono leve.

Andar por ali à noite era como dançar; uma dança lenta e suave, com movimentos calculados.

E um, e dois, e três, e um...

Estava frio, e o homem via a sua respiração se condensar em uma nuvenzinha translúcida, só para desaparecer no instante seguinte.

Ele sabia que devia estar perto; os rastros no chão úmido não mentiam e em breve, muito em breve, ele o encontraria.

Se o homem não estivesse tão absorvido em sua busca talvez tivesse notado que aquela de fato não era uma noite como as outras e que a floresta, como se sentisse isso, também não era a mesma dos outros dias do ano.

Mais à frente, um graveto se quebrou e, assim, ouvindo antes de ver, ele soube que o havia encontrado.

Ali, a poucos metros, o Cervo Branco comia tranqüilamente um pouco da grama fresca. As arvores nessa parte da floresta não eram tão próximas, e o luar penetrava por entre as folhas fazendo tudo parecer feito de prata, recobrindo o instante com uma surrealidade onírica.

O homem não podia deixar de se maravilhar com o que via. Finalmente, finalmente... Era mesmo verdade. E era dele. O Cervo Branco tinha saído das lendas e agora estava ali, à sua mercê. Agora, cada desejo de seu coração, por mais desesperado, absurdo ou impossível que fosse, se realizaria.

Com todo o cuidado, seguiu para o próximo passo daquela dança solitária e lentamente levantou o arco. Com a outra mão, buscou uma flecha na aljava às suas costas. Com a delicadeza de quem coloca a linha no buraco da agulha, posicionou a flecha no arco de madeira. A seta parecia ainda mais aguda e afiada sob a luz da lua, como se pedindo para se cravar na pele macia do Cervo. Aos poucos, muito devagar, foi puxando a corda do arco. E um, e dois, sem pressa, e um... Naquele momento, naquele último segundo antes de os dedos se soltarem e a flecha sair voando com um brilho mortal, de algum lugar da floresta ressoou alto um pio de coruja, como um agouro sinistro.

De repente, as árvores prateadas começaram a uivar com um vento forte e frio. A flecha escapou dos dedos e com um silvo atravessou o teto de folhas da floresta, furando o ar furiosamente como se quisesse tocar a lua; foi diminuindo de velocidade até que parou e se suspendeu no vazio pelo que pareceu uma pequena eternidade, apenas uma pausa naquela dança peculiar, para no segundo seguinte despencar mais rápido do que tinha vindo, indo cair muito longe do arco que a lançara.

Ali, no ponto de partida, estava o homem jogado no chão, ainda confuso. Tudo acontecera tão rápido que ele havia perdido o equilíbrio. Massageava a própria cabeça no lugar dolorido onde esta havia batido com força em alguma raiz proeminente.

Sentiu mais uma pontada dentro do cérebro, mas não era dor; era a quase esquecida noção de que ele estava numa caçada, e que se continuasse ali no chão, o Cervo Branco escaparia por entre as brumas da floresta para nunca mais ser encontrado.

O homem se levantou o mais rápido que pôde, quase escorregou e por pouco não caiu de novo. Estendeu o braço com o arco, a outra mão a meio caminho da aljava quando percebeu que algo estava terrivelmente errado.

O Cervo Branco. Onde estava ele? O homem sentiu como se uma mão de gelo agarrasse seu peito, e o pensamento desesperado de que o Cervo estava perdido irrompeu com tanta força em sua mente que por um momento o impediu de ver que isso não era tudo.

A apenas poucos metros, no lugar do Cervo se encontrava um mulher. O homem ainda piscou várias vezes, como se esperasse que ela fosse alguma conseqüência da pancada na cabeça. Mas como ela se recusava a simplesmente desaparecer diante dos seus olhos, ele foi obrigado a aceitar que ela era real, pelo menos tão real quanto as coisa podiam ser naquela noite.

A mulher era muito branca, e sua palidez etérea parecia emitir um tênue brilho próprio. Tinha os cabelos pretos, tão escuros quanto a pele era clara, e cobriam suas costas como uma capa de veludo e, ainda assim, pareciam tão tangíveis como se feitos da penumbra da noite. Usava um vestido que parecia ter aquela mesma leveza e luz própria da mulher que o vestia.

Era tudo muito estranho.

Mas a misteriosa mulher parecia não notar – percorria os arredores com seus grandes olhos escuros, curiosos. Deu um risinho, como se muito satisfeita de estar ali. Andou alguns poucos passos, parecendo feliz de sentir a grama macia sob os pés e ver acima de si as estrelas, por entre as copas das árvores.

Impossível dizer quanto tempo ela ficou por ali, perdida no próprio encantamento, caminhando por entre as árvores com tanta leveza que o caçador chegou a se perguntar se ela realmente tocava o chão.

Ah sim, o homem continuava no mesmo lugar, um braço empunhando o arco, o outro ainda a caminho da aljava, como que congelado. Simplesmente não conseguia acreditar no que via. Mas se ele achava que as coisas não podiam ficar mais esquisitas, ele estava errado.

A mulher tinha a cabeça levantada, os olhos arregalados e sonhadores com se o que estivessem vendo fosse absolutamente fantástico e espantoso; nos lábios, um sorriso aberto. Todavia, no instante seguinte o sorriso se apagou e os olhos piscaram como se procurando a antiga fonte de deleite, até que encontraram outro par de olhos – o do caçador.

O tempo pareceu parar, e o mundo definitivamente havia deixado de girar. Ninguém mais dançava. Só existiam aqueles dois grandes olhos pretos, nada mais.

Por uma fração de segundo o homem teve medo, mas uma voz fraca e distante dentro de sua cabeça descartou a sensação como sendo boba, e então ele percebeu que o que mais queria era se congelar naquele momento, para sempre.

A mulher inclinou a cabeça levemente para o lado, o olhar ainda pousado no caçador, e se dirigiu a ele, como se flutuasse.

O homem continuava plantado no chão, os pés pesados demais para sair do lugar. Aos poucos foi baixando o arco, os olhos fixos na estranha aparição.

Ela chegou bem perto dele, seus narizes a dois palmos de distância. A lua ainda banhava tudo com uma estranha luz prateada e, no instante em que a atmosfera estagnada foi rompida por um leve farfalhar de folhas, a mulher levou seus dedos longos e brancos à face do caçador, que estremeceu com o repentino toque frio.

Apesar do arrepio que lhe percorreu a espinha, ele não saiu do lugar. Os dedos começaram então a percorrer suas feições, o contorno da boca, a linha das sobrancelhas, o relevo do nariz. Era um toque glacial, que deixava um formigamento na pele – mas não era desagradável. E os olhos, sempre pretos e grandes.

De repente, a mulher retirou a mão do rosto do caçador e a levou aos próprios lábios, como se pedindo silêncio. Nesse momento o caçador percebeu que nunca contaria a ninguém sobre esta noite na floresta, mesmo porque não acreditariam nele. Na verdade, ele nunca diria nada sobre o episódio pois sabia que o encanto inexplicável do acontecido se dissiparia como névoa assim que deixasse sua boca.

E então o silêncio pesado se rompeu abruptamente como vidro estilhaçado, quando um vento furioso passou rugindo por entre as árvores.

Ao longe ressoou um pio de coruja, longo e triste.

O homem abriu de novo os olhos. À sua frente apenas os olhos grandes e pretos do Cervo Branco, que piscaram assustados antes de desaparecerem rápido por entre as árvores da floresta.

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01 outubro, 2007

Era uma vez III




Ontem eu finalmente terminei de escrever este "Era uma vez", que tinha começado há mais de quatro meses. Com um suspiro de alívio fechei o caderno, e saí do meu quarto em direção à cozinha. Já era tarde e a casa estava escura. De repente tenho a impressão de ouvir meu nome; me viro e não tem ninguém. Meus pais já estão dormindo. Continuo a andar. Dessa vez vejo um vulto passar rápido à minha direita. Fico congelada no lugar. Aos poucos, devagarinho, me viro.

E encontro uma figura translúcida na minha frente.

-Muriel... - disse a voz, não mais alta que um sussurro - blasfêmia...

Nesse momento apareceu um outro ser transparente, que me apontou um dedo longo e ameaçador:

-Nossos contos de fada... Blasfêmia...

Seria possível?

-Irmãos Grimm? - exclamei - vocês por aqui?

-Nossos contos numa latrina imunda...

-Não posso fazer nada! É a pós-modernidade, ué!

-Vamos puxar seus pés de noite... Para sempre...

-Vocês não tem mais o que fazer?


A conversa se alongou noite adentro, mas a questão é que estou mesmo condenada. Mas nem uma ameaça fantasmagórica me impediu de postar esta história, assim como nada os vai impedir de ler, apesar do tamanho, não? De qualquer forma, vamos ao episódio mais rocambolesco dos "Era uma vez", com várias piadas ruins, um uso medonho da segunda pessoa e uma atmosfera folk-trash.








A Rainha estava de ótimo humor naquele dia, e ela se orgulhava de ser uma mulher que apreciava as coisas simples da vida.

O primeiro pequeno prazer da manhã havia se descortinado graciosamente para ela quando logo no café a criada deixou cair o bule, espalhando chá pela mesa interia, e dando à Rainha toda a razão pra beliscar com gosto o braço da infeliz.

-É uma vergonha para mim ter uma serviçal como tu; és tão burra que nem serves para pôr a mesa sem causar um desastre - disse a Rainha, colocando o máximo de desprezo em cada sílaba - ou será - retomou, um brilho malicioso nos olhos - que andas assim distrída por causa daquele cavalariço? Ah sim , eu vi como olhas para ele. Odeio frustrar suas esperanças, querida, mas não acho que ele goste de... gordinhas.

A criada saiu chorando, e a Rainha decidiu que os soluços da moça, que podiam ser ouvidos da cozinha, eram o melhor acompanhamento musical para o café.

Ao longo do dia, a Rainha ainda teve a oportunidade de "acidentalmente" derramar óleo fervente em uma das cozinheiras, chutar um cachorrinho idiota e mandar um pajem buscar seda para seu vestido novo. Na China.

Assim, quando a Rainha entrou no seu aposento secreto, onde guardava todos os seus fascinantes brinquedinhos mágicos, estava se sentindo muito bem, e pensou que para coroar aquele dia divertidíssimo ela só precisava de uma massagem no ego. Por isso perguntou:

-Espelho, espelho meu, existe alguém mais generoso, bondoso, inteligente, venerável, estonteante, belo e modesto do que eu? - e já fechava os olhos para melhor apreciar a negativa do Espelho.

Mas a negativa não veio. O que se ouviu foi um engasgo e palavras emboladas.

A Rainha abriu os olhos. Qualquer pessoa que a visse agora imploraria para ser engolida pelo chão, ou simplesmente sairia correndo, mas o Espelho não podia fazer nada disso, assim pregado na parede.

-Espelho, espelho meu - recomeçou a Rainha, naquele tom doce que sempre adotava antes de inflingir dor excruciante - me mostre que é essa sumidade... agora!

O Espelho fez a única coisa que podia fazer naquele momento: obedecer.

A Rainha sentiu que iria desmaiar.

***

E então encontramos nossa heroína em uma floresta escura e assustadora pois, afinal, em todos os conto de fadas a protagonista virginal e inocente é atraída para esse buraco negro de protagonistas virginais e inocentes que são as florestas escuras e assustadoras. Deste modo, encontramos a jovem Branca de Neve andando em círculos por entre as árvores.

Aqui cabe um esclarecimente quanto ao seu nome. Os desavisados poderiam pensar que o nome dela era Branca, e que fazia parte da família Neve, mas isto não é verdade. O seu nome verdadeiro era muito feio, uma junção mal sucedida do apelido da mãe com o segundo nome do pai, e ela tinha muita vergonha disso. Não que gostasse de "Branca de Neve", mas pelo menos era melhor do que seu nome de batismo.

O que nos leva à história de como surgiu Branca de Neve, uma vez que a nossa heroína não é particularmente pálida, asism como seus cabelos não são pretos, nem sua boca é vermelha como sangue.

Tudo começou em um inverno há muitos anos atrás. A pequena Branca travava uma feroz guerra de neve com o seu primo mais velho, mais forte e infinitamente mais cruel, que acabou por enterrá-la num monte de neve. Quando ela finalmente conseguiu engatinhar para fora, tendo em mente apenas o pensamento assassino de jogar uma tremenda bola de neve na cabeça do primo, fazê-lo ficar inconsciente e então fingir que fora um acidente, não percebeu que seu cabelo e suas roupas ainda estavam semi-cobertos de neve, e que ela parecia um yati zangado ressurgindo de uma avalanche.
Apesar desse fato não ter sido registrado por sua percepção, ele com certeza não passou despercebido pelo primo cruel que disse, por entre risadas maldosas:


-Estás branca, prima!
E um outro priminho emendou:
-É, branca de neve!


E foi assim que tinha surgido o apelido bobo, resultado de uma situação mais boba ainda e de uma piada tão infame que dispensa comentários.


Mas ainda assim o apelido era melhor do que o nome verdadeiro, e podia até soar poético para alguém que não conhecesse a história.


De qualquer forma, nossa querida Branca de Neve já estava prestes a se sentar no chão e entregar o seu destino a uma fada madrinha/príncipe encantado/qualquer deus ex-machina do gênero quando avistou uma simpática casinha a alguns metros.


Chegando mais perto, pôde observar que o pé direito da casa era um tanto mais baixo que o normal, mas a porta estava aberta e como dizem "cavalo dado (achado?) não se olha os dentes".


Branca de Neve entrou, e estava tão cansada que simplesmente se jogou na primeira cama que encontrou. Teria dormido logo em seguida, caso seus pés não estivessem para fora. Aliás, tudo naquela casa era tão pequenho que Branca sentia como se tivesse virado uma gigante de repente. Mas isso a lembrava de Alice no País das Maravilhas, assim, juntou as sete camas que encontrou e deitou direito, afinal, este é o conto de fadas da Branca de Neve, e se as coisas continuassem daquele jeito logo iria parecer um coelho apressado.


Branca adormeceu naquela casa estranha.

***

Não muito longe dali, um príncipe ensaiava um discurso na frente do espelho. Não exatamente um discurso; era mais uma encenação.

-Pai - disse ele, olhando o próprio reflexo - eu sei que sou o príncipe deste antiquíssimo e honrado reino, um príncipe destinado a grandes feitos - abriu os braços num gesto largo - e também grandes dores - pôs as mãos no coração - Um príncipe deve ser capaz de enfrentar os perigos da terra - ajoelhou-se - da água - jogou-se no chão e revirou os olhos com se afogando - e do ar - brandiu uma espada imaginária contra um dragão invisível. - Um príncipe...

-Me disseram que querias ver-me, filho.

Era hora.

O príncipe deu um suspiro exagerado, passou as mãos nos cabelos e virou-se abruptamente em direção ao Rei. A cada passo que dava olhava para os lados, para cima, como se pedindo ajuda dos céus e, no entanto, seus movimentos de dúvida e indecisão pareciam estranhamente calculados.

-Meu rei - começou - meu soberano... meu pai - ajoelhou-se bruscamente e beijou a mão do outro homem - eu sei que sou o príncipe deste antiquíssimo e hontado reino, um príncipe destinado a grandes feitos - abriu os braços - e também grandes dores. Um príncipe deve ser capaz de enfrentar os perigos da terra - ajoelhou-se de novo - da água - afogamento - e do ar - dragão. - Um príncipe deve ser forte - flexionou o braço para mostrar o bíceps - e ao mesmo tempo puro - olhou para cima e fez o sinal da cruz - para assim proteger o seu reino e herdar merecidamente o trono - pôs na cabeça uma coroa que o Rei não conseguia ver. - No entanto, lembro-me quando, primaveras e primaveras atrás, o senhor me disse que queria que eu fosse feliz. E sinto que para perseguir a felicidade - deu uma corridinha pelo quarto - para perseguir esse pássaro raro e belo chamado felicidade tenho que ir por outro caminho. Sinto que tenho de enveredar por este tortuoso caminho - movimento serpenteante com a mão - das artes para alcançar a felicidade.- olhar decidido e penetrante - Meu rei, meu soberano - pausa estratégica - meu pai. Eu quero informar que vou perseguir a carreira de ator, mas para isto quero a tua benção.

O Rei olhava boquiaberto.

Cinco minutos depois o Príncipe cavalgava para longe do castelo, sem benção e deserdado.

***
O trabalho na mina não era fácil. Horas e horas debaixo da terra, em um ambiente insalubre, em busca de diamantes. Era necessário acordar muito antes de o galo cantar, e voltar só quando estava escuro.
Assim, no fim da tarde, a música dos pássaros era substituída por outro canto, que aos poucos ecoava por toda a floresta.
-Eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou...
O Mestre na frente, seguido de Feliz, Atchim, Zangado, Soneca, Dengoso e Dunga.
Dunga era o caçula, a flor da família. Cabelos mais pretos que asa de grúna, lábios de mel, pele de alabastro, em resumo, um prato cheio para escritores românticos.
Pena que tivesse menos de um metro e dez.
Naquela tarde em particular os anões demoraram um pouco para perceber que havia algo errado. Na verdade, só perceberam quando Zangado gritou, lá do quarto:
-Tem uma mulher gigante nas nossas camas!
Todos correram para ver.
-Oh meu deus! - exclamou o Mestre.
-O que vamos fazer? - desesperou-se Feliz.
-Ela tem que sair! Quero dormir! - bocejou Soneca.
-Como ela veio parar aqui?! A-Atchim - disse Atchim.
-Se ela tá dormindo é porque deve estar mesmo cansada - comentou Dunga, que costumava ser o mais razoável - nós não precisamos ir dormir agora.
-Como não? Nós, que passamos horas e horas debaixo da terra cumprindo jornadas de trabalho desumanas, em um ambiente insalubre, apenas para dar à Rainha sua cobiçada mais-valia? - a veia de sua têmpora estava saltada e pulsando loucamente, o que significava que Zangado estava começando a se empolgar - uma mais-valia construída sobre o enorme contingente de trabalhadores como nós, explorados sem dó! E quando voltamos pra casa, querendo apenas uma cama onde desnansar para a labuta do dia seguinte, o que encontramos?! - apontou um dedo acusador para a Branca de Neve - uma legítima representante desta burguesia emergente e ambi...
-Acho que todos entendemos os teu ponto - interveio Dunga, dando tapinhas tranqüilizantes nas costas do irmão.
-Mas o que vamos fazer com essa mulher? - disse Dengoso - ela é grande demais para a tirarmos daqui.
-Uma hora ela há de acordar - respondeu Dunga.
-Até lá eu já vou ter dormido - reclamou Soneca.
Enquanto isso, Atchim tinha sorrateiramente se aproximado da moça adormecida. Ficou parado na frente da fileira de camas por um instante; em seguida aproximou-se mais e agarrou os cadarços de Branca, e começou a amarrar os do sapado direito nos do esquerdo.
Os outros anões aos poucos se viraram para ver o que Atchim fazia; quando ele percebeu que estava sendo observado largou subitamente os cadarços e abriu um sorriso amarelo.
Todos ficaram em silêncio por um momento, então Zangado explodiu:
-É isso mesmo! Essa mulher pensa que pode vir aqui e ocupar nossas camas? Queremos... VINGANÇA!
O discurso de Zangado foi recebido com urros de aprovação, e no instante seguinte os seus anões haviam se aglomerado em volta de Branca de Neve. Dunga ficou para trás, tentando refrear seus irmãos, sem sucesso.
***
Branca acordou, mas ficou ainda um tempo de olhos fechados. Quanto tempo havia dormido? Tinha de sair logo dali, caso os moradores chegassem.
Ou será que eles já tinham voltado?
Abriu os olhos, lentamente virou-se de lado, apoiada num cotovelo, e olhou em volta. Havia longas sombras pelo quarto, e pela janela semi aberta entrava uma luz alaranjada. O sol devia estar se pondo.
Branca abriu a boca num bocejo, e ao levar uma mão para cobri-la sentiu seus dedos roçarem em algo pastoso.
Começou a apalpar a própria face, e descobriu que estava coberta por um creme branco. Entre o horror e a total surpresa, Branca levantou-se num pulo com a intenção de sair dali o mais rápido possível, mas de repente deu de cara no chão.
Com esforço ficou de pé de novo, só para descobrir que, misteriosamente, os cadarços do seu sapato direito estavam amarrados com um nó apertado nos do pé esquerdo.
Nessa hora de Neve teve a (in)felicidade de se ver num espelho na parede. Sua cara estava realmente coberta com espuma branca, e ela parecia um Papai Noel magro e confuso. Virou-se para sair, e ao virar viu o reflexo.
Nas suas costas, escrito em letras garrafais: CHUTE-ME.
Aquilo foi a gota d'água. Desamarrou os sapatos o mais rápido possível e saiu do quarto, escancarando a porta. Não precisou andar muito para se deparar com seis anões dormindo tranqüilamente no chão da sala.
Branca estava pensando em como conseguir uma revanche daqueles sádicos em miniatura da forma mais cruel e dolorosa possível quando ouviu uma voz melodiosa atrás de si.
-Algum de vocês viu a minha espuma de barbear? É que eu est...
Branca virou-se e viu na sua frente o que parecia ser outro daqueles lenhadores de bonsai.
- Er... parece que já o encontraste, não? - disse Dunga, olhando para a barba branca de Branca. Também pensaou que ela parecia um yeti zangado, mas preferiu não comentar.
A moça apontou um dedo para a própria cara e resmundou entre dentes:
- Quero. Saber. O. Que. Fizeram. Comigo.
O homenzinho encolheu os ombros.
-Sinto muito. Eu disse a eles que não fizessem isso, mas meus irmãos acharam um absurdo uma mulher dormindo na cama deles, o que mostra que, além de obviamente estarem em uma crise sexual, eles se esqueceram da famosa hospitalidade dos mineradores verticalmente prejudicados.
Branca ficou olhando para o que com certeza era o mais lindo pintor de rodapé que ela tinha tido a oportunidade de ver.
-Hum, claro, não tem problema. E nem estava brava... só perguntei por perguntar. - aqueles olhos amendoados eram hipnotizantes... pena que ela tivesse que dobrar tanto o pescoço para vê-los direito.
-Esclarecido o mal-entendido, gostarias de tomar uma xícara de chá? - ofereceu o deus grego em miniatura.
-Por que não? - respondeu Branca, que não era boba nem nada.
Mal sabiam eles que, lá fora, a Rainha enfrentava um dilema.
Tudo havia começado com uma resposta inadequada daquele espelho idiota, e agora ela, a grande, poderosa, linda, bondosa e modesta Rainha estava ali no meio da floresta, sendo comida viva por mosquitos, olhando paa uma casinha deplorável e segurando uma cesta de maçãs envenenadas.
A questão era: Como fazer para entregar maçãs para aquela certa pessoa que se atrevia a se bela demais?
A Rainha chegou à conclusão de que ela deveria parecer o mais incoente possível. Assim, mentalizou o que queria se tornar e tomou um gole da poção que trouxera consigo.
Seu corpo todo formigou por um instante, e então ela havia se transormado numa linda menininha loira, com uma adorável capa vermelha.
Era o disfarce perfeiro; agora era só... PAFT. A Rainha sentiu uma dor aguda na cabeça e, assim que sua visão clareou de novo, viu que tinha sido atingida por uma pedra.
Ainda piscando mais do que o normal, a Rainha virou-se para descobrir de onde aquilo tinha vindo. Encontrou uma garotinha loira, com uma capa vermelha, segurando uma cesta, parecendo muito brava. Ao seu lado estava... um lobo?
-PLÁGIO! - gritou a garotinha, que em seguida sumiu por entre as árvores.
É, talvez não fosse um disfarce tão bom.
Se como criança não tinha funcionado, o jeito era ir de velha mesmo. A Rainha achou divertida a idéia de usar a imagem de uma idosa inocente para praticar o mal, e tomou mais um gole da poção.
Devidamente transformada, aproximou-se mais um pouco da casinha. Havia uma movimentação na cozinha... então ela finalmente viu a Branca de Neve.
E não deu a mínima, porque afinal de contas a pessoa que havia aparecido no espelho estava ali do lado, fazendo chá.
-Acho que estão batendo na porta - disse Dunga - com licença.
Ao abrir a porta encontrou uma velhinha simpática.
-Em que posso ajudá-la?
-Gostarias de uma maçã, meu filho?
-Agradeço, mas não, obrigado - os pais de Dunga sempre foram muito enfáticos quanto ao "nunca aceite comida de estranhos, especialmente velhas com verruga no nariz que batem na sua porta à noite".
-Mas as maçãs estão tão bonitas...
-Não, obrigado.
-Estão tão apetitosas...
-Não.
-E têm muitas utilidades. Podes comê-las...
-Não.
-Alimentar a pessoa amada...
-Não.
-Fazer suco.
-Não.
-Jogar malabares.
-Não.
-Usar como enfeite.
-Não.
-Usar como cabeça de um boneco de vudu e encher de agulhas.
-Não.
A Rainha não era exatamente conhecida pela sua paciência.
-Olha aqui, seu catatau. Quando uma velhinha adorável e indefesa bate à sua porta oferecendo maçãs, ACEITE!
-Er... está bem.
-Ótimo. Boa noite - e empurrou uma maçã para o mergulhador de aquário.
-Quem era? - perguntou Branca de Neve.
-Uma alma caridosa ansiosa para distribuir maçãs pelo mundo. Quer?
Branca pegou a fruta, mas sem olhar para ela, pois tudo que conseguia ver eram aqueles lábios de cinábrio. Ficou ali parada, admirando a oitava maravilha do mundo em escala micro.
-Já está tarde. Acho que deveríamos ir dormir... - sugeriu aquela voz melodiosa.
Branca decidiu guardar a maçã para o dia seguinte.
***
-Essa mulher ainda está aqui?! -gritou Zangado.
De fato, Branca de Neve ainda estava na casinha, adormecida... no chão da cozinha.
-Achei que ela tivesse ido dormir na sala - comentou Dunga.
-Bem que alguém poderia dar um jeito nessa mulher. Ela está começando a incomodar.
Mas nesse instante Dunga percebeu que na mão da moça havia uma maçã mordida.
-Branca - chamou o homenzinho - Branca, acorde!
Como ela continuasse a dormir:
-BRANCA, ACORDE!!!
Nada.
-Oh meu deus - murmurou Dunga, pálido como uma fantasma, olhando para a maçã - eu matei a Branca de Neve!
-Não era exatamente o isso que eu tinha em mente - ponderou Zangado - mas acho que resolve o problema.
Dunga ajoelhou-se no chão.
-Oh desgraça! Oh vida, oh azar! Branca de Neve, como pôde a terrível morte apoderar-se da tua alma assim tão cedo? O que será agora do puro e imaculado invólucro do teu espirito?
-De fato, como vamos nos livrar do corpo?
-Zangado! - explodiu Dunga - como podes pensar assim?
-Sou um homem prático - defendeu-se - do mesmo jeito que peixes e visitas, as heroínas dos contos de fada também começam a cheira mal depois do terceiro dia.
Mas Dunga não mais ouvia.
-Oh maçã envenenada... Branca, vou beijar os teus lábios, talvez ainda reste um pouco do veneno para mim!
-Não faça isso, não vale a pena! Provavelmente não tem mais veneno nenhum, e pensas o quê? Que ela vai acordar com o beijo do amor verdadeiro? Me poupe!
-Então... temos que levá-la pra o seu descanso eterno...
***
É, tinha falhado. Mas não ia ficar assim. Não mesmo. Era só arrumar um jeito de se livrar daquele anão e então desfrutar o título de criatura mais bela da Terra. A questão era como. A Rainha Má queimava a mufa tentando achar a sulução, ali embrenhada entre os arbustos da floresta. Decidiu abrir pela enésima vez o Manual para Rainhas Más e Feiticeiras Afins, na esperança de ser iluminada com uma idéia.
Capítulo I: Como se desfazer de amigos e maltratar pessoas.
A primeira coisa que tu, uma aspirante a Rainha Má ou Feiticeira Afim, deve fazer para de fato se tornar um Rainha, ou se tornar má, se já fores da realeza, é acreditar em ti mesma. Querer é poder. Repita isto sempre que te sentires insegura.
---A dica da maçã: maçãs são vermelhas e apetitosas, portanto, uma ótima isca para os desafetos da Rainha Má. Basta embebê-la em veneno (receita na pg. 61)...
Um ruído a fez interromper a leitura.
"Eu vou, eu vou, enterrar o caixão eu vou
Parará tim bum,
Parará tim bum,
A Brancaaaa levou"
-Parem com isso - gritou um voz - que piada de mau gosto!
Agora a Rainha podia ver sete anões carregando uma mulher inerte. Curiosamente, eles não pareciam tristes, com a exceção de um.
Colocaram o corpo no chão, e o anãozinho miss universo pediu um momento a sós para a despedida.
Era hora de agir, pensou a Rainha Má. Mas antes era bom consultar o capítulo 13:
Como se livrar de uma vez por todas do Anão Impertinente
***
Fazia dias que o Príncipe vagava pela floresta. Doze horas antes havia buscado hospedagem em uma taverna e, na falta de dinheiro, se propôs a pagar com o seu talento. Só se lembrava de ter começado um monólogo dramático... depois tudo ficou escuro e a próxima coisa de que se lembrava era de estar novamente na rua, sem pista do que pudesse ter acontecido.
Isto é, talvez o tomate na testa fosse algum indicativo.
Ma um verdadeiro ator nunca desiste, mesmo quando sua arte é incompreendida. Decidiu que devia aproveitar seu tempo sozinho vagando pela floresta para ensaiar suas cenas.
***
-Branca, meu amor... espero que um dia me perdoes - lementou Dunga, ajoelhado ao lado do corpo de sua amada - me perdoe...
-As dores e os deleites da arte dramática, senhoras e senhores - disse uma voz por entre as árvores.
Dunga parou para ouvir.
-A arte é a expressão fundamental do seu humano - continuou a voz - uma almágama do lado sombrio - pausa, e Dunga pôde imaginar muito bem um gesto para acompanhar a frase - e do lado luminoso - outra pausa em que, embora o anão não pudesse ver, o Príncipe levantou os braços numa saudação ao sol.
-É também uma profusão de dores, mágoas, fúria e ira - a voz passou para um ritmo mais acelerado, assim como os passos - e resta ao ator incorporar a tragédia humana em sua magnificência e dor, grandiosidade e beleza - os passos estavam mais perto e já engatavam uma corrida - assim, me apresento, oh senhoras e senhores - Dunga sentia que a qualquer momento o dono da voz apareceria por entre as ávores - um ator trágico e apaixonado - o Príncipe irrompeu na clareira, correndo e gesticulando - um clown errante e cômico - pulinhos no mesmo lugar - um aristocrata deserdado - tapa na própria cara - servo dedicado da arte teatral - mesura exagerada.
Nessa hora, apesar de Dunga balançar freneticamente os braços em aviso, ele tropeçou no corpo de Branca, deu uma pirueta bizarra no ar e aterrissou no chão com um baque surdo.
-Sou, senhoras e senhores, o Príncipe-Ator - finalizou, e deixou a cabeça cair de volta no chão.
Dunga ainda estava em estado de choque, os braços songelados acima da cabeça. De onde viera aquela pessoa? Até onde sabia, não havia nenhum manicômio nas redondezas. Mesmo assim levantou-se e foi até o sujeito.
-Estás bem? - perguntou o homenzinho.
-Todo ótemo - respondeu o Príncipe, a voz meio pastosa. Dunga percebeu com horror que lhe faltava um dente da frente, ou melhor, que o dente se encontrava no chão ali perto.
O anão ajudou o homem a se levantar.
-Tens certeza que está tudo bem?
-Sim, sim... um ator não deve temer a dor - respondeu o Príncipe, já um pouco melhor - mas vejo que tropecei naquela linda moça... o que aconteceu com ela?
Meio choroso, Dunga se pôs a contar a história da maçã envenenada.
-Uma pena - disse o Príncipe ao final do relato - mas acho que sei de uma coisa que pode trazê-la de volta.
-O quê?
-Um beijo do amor verdadeiro.
-Me disseram que não funciona.
-Bom, não custa nada tentar.
Dunga respirou fundo e foi em direção à Branca de Neve. Ajoelhou-se e chegou mais perto, as bocas quase se tocando...
-Já acabou o momento ternurinha?
-Zangado! - guinchou Dunga.
-O que foi? Está na hora de enterrar essa mulher!
-Não, não, ele vai dar um beijo nela e ela vai acordar.
-E quem és tu?
-Sou o Príncipe-Ator, ao seu dispôr!
-És poeta também?
-Só nas horas vagas - respondeu, com naturalidade - mas agora é hora do pequenino aqui beijar a moça!
Dunga tentou se concentrar apenas no amor puro que sentia, inclinou-se e beijou Branca.
E nada aconteceu.
-Realmente achaste que ia funcionar? - perguntou Zangado.
-Funciona nos contos de fada - disse o Príncipe, como para se desculpar pelo fracasso da sugestão.
Dunga continuou a olhar Branca com os olhos marejados.
-Como eu queria que tivesse funcionado... - mas não chegou a terminar a frase pois nesse momento a Rainha Má apareceu na clareira, e parecia possessa.
-Seu anão de jardim! - gritou ela, apontando para Dunga - achas que podes ser a criatura mais bela? Nananinanão!
-Desculpe-me senhora, mas temos que proceder com o enterro - disse o belo anão.
Enquanto continuava a discussão, Zangado ficou se perguntando de onde é que conhecia aquela mulher. Pensou, pensou...
-Vamos ver se continuas assim depois de um banho de imersão em ácido sulfúrico! - gritou a mulher, enquanto puxava Dunga pela orelha.
Zangado continuou a pensar de onde conhecia a mulher... de onde?
Uma lampadinha se acendeu em sua mente.
Zangado virou-se para os irmãos:
-Estão vendo essa mulher que parece odiar o Dunguinha?
Os cinco anões balançaram a cabeça em afirmação.
-Pois é. Ela é a Rainha. A Rainha que nos faz trabalhar horas e horas naquela mina.
Por um momento os cinco ficaram em silêncio, digerindo as palavras de Zangado.
-Vamos dar um jeito nela - decidiu o Mestre.
Enquanto isso, a Rainha arrastava Dunga pela orelha. O anão chutava e esperneava, mas isso não surtia muito efeito. O Príncipe, por sua vez, se sentia nervoso diante daquela situação inusitada, em parte por que simpatizava com Dunga mas também por que ver alguém da realeza envolvido num barraco daqueles era extremamente constrangedor, e contribuía para aumentar ainda mais a desilusão com sua classe.
Se é que pertencia a algum lugar, esse lugar era o teatro, pensou.
-Parada aí - gritou Zangado - não vais levar nosso irmão embora.
-Ai ai, outro catatau metido a besta - retorquiu a Rainha, revirando os olhos.
-Vários catataus, na verdade - disse Soneca, saindo de trás de Zangado. Com ele vieram Achim, Dengoso e Mestre.
Os anões fecharam um círculo em volta da Rainha.
-Ninguém mexe com a famiglia!
Foi mais ou menos aí que o Príncipe percebeu que a coisa estava ficando feia.
Quando Zangado tirou o sapato e o arremessou na Rainha, chegou à conclusão de que a situação já estava feia.
-Agir ou não agir, eis a questão - murmurou o Peíncipe, ajoelhando-se para maior efeito dramático.
Um dos anões empunhava um picareta de forma ameaçadora.
-Príncipe!
Alguém chamava por ele. Era Dunga.
Por um segundo, seus olhos se encontraram e o Príncipe viu neles desespero verdadeiro. A situação já estava fora de controle. Mas mais do que isso, vi naqueles olhos belos e amendoados uma pureza e bondade imensas, e soube que o que Dunga mais queria era impedir uma tragédia, e por isso pedia ajuda.
Só ele, o Príncipe, podia interferir.
Seria a prova de fogo de qualquer um que quisesse merecer ser chamado de ator.
-Larga o Dunguinha! - gritou uma voz.
-Querer é poder, querer é poder - entoava a Rainha, como se fosse um mantra.
O Príncipe respirou fundo.
-Vou te mostrar quem é catatau! - disse um dos anões.
O Príncipe passou as mãos nos cabelos, alisou a roupa, murmurou "merda" e se virou.
It's show time, baby.
-Senhoras e senhores, ou melhor, senhora e senhorinhos - fez um mesura respeitosa - em vez de empunhar picaretas e arremessar seus sapatos - arrancou o seu do próprio pé e o atirou para trás. Alguns segundos depois um passarinho caiu duro no chão - deveríamos todos perceber que vivemos em comunhão! - envolveu-se num auto-abraço - O que será de nós se continuarmos assim? - bateu o pé no chão como uma mãe impaciente - o que virá em seguida? Cânticos bárbaros? - correu em volta dos anões grunhindo e pulando - Não, recuso-me a presenciar tal cena! - cobriu os olhos com as mãos - O que nos une então? - nessa hora a Rainha e os anões já estavam absolutamente mesmerizados - Somos todos pesonagens de histórias, de contos de fada! - fez um gesto amplo, como se segurasse uma varinha de condão - Apesar, é claro, d'eu nunca ter visto uma fada. Mas não importa! Nós sofremos nas mãos de inúmeros loucos que se consideram escritores, ou pior, atores (se bem que isto é só para que tem talento verdadeiro, não é mesmo) - piscadela marota - A questão é que as páginas dos livros e dos blógues estão todas manchadas com nosso sangue, suor e lágrimas - fez como se apunhalasse o próprio coração - e como podemos continuar? - a Rainha e os anões murmuraram "como?".
-Continuamos... - pausa para momento dramático - porque temos amor! - deu um pulinho - all you need is love! - nessa hora pegou Branca nos seus braços e inclinou-se para dar-lhe um beijo. Antes que chegasse muito perto, porém, parece ter sido antecipado, se não por seu sangue e suas lágrimas, pelo seu suor, cujo odor encheu as narinas de Branca, que acordou num sobressalto.
-Oh, Branca! - gritou Dunga,
-Oh, Dunga! - gritou Branca.
-Isso é meloso demais para mim! - exclamou a Rainha, que saiu correndo de volta para a floresta.
Todos os anões se abraçaram, aliviados e felizes. A alguns metros, o Príncipe disse para si mesmo , com um meio-sorriso nos lábios:
-Se não fosse a arte...
E em seguida enveredou pelas árvores.




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