17 setembro, 2006

Era uma vez


-Não fales com estranhos - disse a Mãe, enquanto arrematava o lacinho que prendia a longa capa vermelha ao pescoço de sua filha - e acima de tudo: nunca, nunca saias da estrada.
A menina abriu um daqueles seus sorrisos luminosos, e fez que sim com a cabeça. Incapaz de resistir, a Mãe cravou-lhe um beijo carinhoso na bochechinha rosada - pronto, agora vá - disse, entregando-lhe uma grande cesta de vime.
A menininha colocou o capuz por cima da cabeça e foi saltitando pelas ruas do vilarejo, cantarolando uma melodia qualquer. Logo estava na estrada; era só seguir por ela até o moinho de vento depois da segunda ponte e virar à esquerda; ali era a casa da Vovó.
A garotinha ia saltitando, muito alegre, respirando o ar puro, o aroma das flores e das árvores da floresta. A floresta. Talvez fosse de lá que tivesse vindo a borboleta branca que voava em círculos em volta da menina. Era tão bonitinho como ela flutuava no ar com suas asas de seda! E ela voava, voava por aí e menininha foi atrás. Mas de repente a borboleta desapareceu por de trás de um árvore. Oh não, uma árvore! A garota virava de um lado para o outro e a única coisa que conseguia ver eram árvores. Antes que se desse conta as lágrimas já tinham subido aos olhos. "Nunca saia da estrada", a palavras da Mãe ecoavam em sua cabeça. Mas ali estava ela, sozinha na floresta escura. Em algumas horas o sol iria se pôr e então... melhor nem pensar. A menininha se encolheu ao pé de uma árvore, enrolada na capa vermelha. O que iria fazer?
-Por que choras, menina? - disse uma voz, e a referida garota teve de olhar para cima.
A primeira coisa que viu foram olhos grandes e amarelos, seguidos do corpo cinzento e magro do Lobo.
-Eu... eu me perdi.
-Ah, mas não há problema, garotinha. Para onde deves ir?
-Para a casa da minha avó. Ela está doente,e eu devo levar estes doces para ela - explicou, mostrando a cesta de vime.
-Acho que posso ajudá-la a achar o caminho de volta. Onde é a casa de tua avó? - enquanto falava, seus caninos brancos refletiam à meia luz da floresta escura.
-É perto do moinho de vento, depois da segunda ponte. É uma casinha azul.
Após um instante de reflexão, em que seus olhos pareceram ficar mais amarelos, o Lobo anunciou:
-Me siga... garotinha - e se pôs de pé com agilidade, a longa cauda serpenteando no ar atrás dele.
Agradecendo silenciosamente a Deus pela sorte de encontrar um guia, a menina o seguiu. E, de alguma forma, logo a luz do sol voltou a brilhar por sobre o capuz vermelho.
Incapaz de formular um agradecimento, a menininha sorriu um daqueles seus sorrisos encantadores e entregou ao Lobo um doce de alcaçuz que trazia na cesta. Depois de farejá-lo e finalmente comê-lo, ele despediu-se e sumiu em meio às árvores.
Duas pontes e um moinho depois, a garota batia na porta da casinha azul. Ouviu um abafado "entre". Sua avó estava mesmo muito doente, lamentou. Entreabriu a porta e entrou devagarinho.
-Vovó, vim trazer doces para a senhora - disse, colocando a cesta sobre a mesa. Como não ouviu resposta, decidiu ir para mais perto da cama.
A Vovó parecia um pouco diferente da Vovó na memória da menina, mas elas não se viam fazia muito tempo. E não dizem que quando a pessoa envelhece o nariz fica maior e aparecem uns pêlos em lugares estranhos, como nas orelhas? Aliás, as orelhas...
-Vovó, por que essas orelhas tão grandes? - "e peludas" pensou, mas não teve coragem de dizer.
A Vovó, meio enrolada nas cobertas, respondeu;
-Oh netinha, é para te ouvir melhor.
Bom. As orelhas tinham um propósito. Mas e os olhos?
-Vovó, por que esses olhos tão grandes e amarelos?
-Oh netinha,tu sabes... esse surto de ictirícia...
-Mas Vovó, e essa boca? Por que ela é tão grande?
-É para...- era hora de agir - devorar-te todinha!
A menina piscou, como se não estivesse entendendo. Em seguida, calmamente, pegou a cesta e disse:
-Ah, a senhora deve estar mesmo com fome... Foi a mamãe que mandou estes doces.
A menina teve a impressão de ver a Vovó revirar os olhos amarelos. Estranho.
-A Vovó não quer doces, a Vovó quer você! - e os lençóis foram para o chão, e o Lobo surgiu.
No instante seguinte a menininha estava correndo desesperada pela casa, com o Lobo ao seu encalço. Ela precisava sair dali e a porta dos fundos era a única salvação.
-Socorro! - irrompeu ela, escancarando a porta, só para no segundo seguinte se calar e imediatamente fechar os olhos. "Eu te pego, menininha", ela chegou a ouvir, mas a voz do Lobo também silenciou diante da visão da verdadeira Vovó e o Lenhador numa confusão de braços e pernas.
Eles claramente não esperavam ser surpreendidos, pois, quando a garotinha voltou a abrir os olhos, eles já haviam se levantado e seus olhos denunciavam o desconcerto.
-Netinha, seja educada e dê oi para o tio Lenhador - ele estendeu a mão, mas a menina recuou. De repente o Lobo vestido de camisola parecia mais confiável do que aqueles dois na sua frente. Hum.
-Vovó...acho que já está tarde e eu tenho que voltar para casa, mamãe deve estar preocupada - virou -se e voltou para a casa o mais rápido que pode. O Lobo parecia pasmo demais até para lembrar de perseguir e devorar a menininha, e limitou-se a segui-la.
-Pretendes ainda me comer? - disse ela finalmente.
-Não - replicou o Lobo - essa nunca foi minha intenção, na verdade.
-Então por que correstes atrás de mim? Por que vieste para a casa da Vovó?
-Ah, esse é meu papel nesta história, sabes, ser o cara mau. Mas devorar-te não era o que eu tinha em mente... é que estas camisolas são tão quentinhas, e cama da tua avó é tão macia...
A menininha franziu o cenho como se pensamentos perturbadores passassem pela sua cabeça. Mas enfim falou:
-Tem muito doce, não conseguiria comer tudo sozinha... quer? - disse, enquanto descobria a cesta que trazia consigo.
-Oh, eu adoro tortilhas de maçã! - exclamou o Lobo.
-Sabe, eu nunca gostei daquele lenhador, ele sempre aparecia do nada nesta história - confessou a menina, pegando para si um pedaço de pudim e voltando para casa pelo caminho da floresta.


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15 setembro, 2006

Enquete Latrinesca

Há alguns dias, a minha agregada Giulia, estando mais uma vez em minha casa reparou que a latrina do meu banheiro estava destampada. A partir daí, começamos uma discução sobre as razões porque alguém tampa ou não sua privada.
Por um lado, é mais vantajoso deixar a tampa abaixada para não deixar o cheiro sair. Por outro, se ficar fechada por muito tempo, quando o cheiro sair, vai estar concentrado. Uma clara vantagem de não se deixar a latrina tampada é, no caso você estar com pressa, obviamente é melhor que não haja nenhum obstáculo ou atraso, causado pela necessidade de se levantar a tampa.
Eu pessoalmente só tampo a latrina em casos especiais. Depois do banho eu preciso que ela esteja tampada para eu apoiar o pé quando for secá-lo. Outra situação em que se mostrou necessário que eu fechasse a tampa foi no banheiro do meu dormitório em Oxford. Lá, se eu não fechasse antes de dar a descarga ficava respingando pra fora.
Minha avó já é de opinião que deve ficar fechada, porque, segundo ela, a latrina parace um bocão querendo morder o seu derrier (acredito ter sido essa expressão usada).

Então, caros frequentadores da latrina virtual (e, espero, real), qual a sua opinião sobre o assunto?