Era um vale. Entre um conjunto de redondas colinas verdes e outro de montes azulados. Verde da cor da grama e azul-montanha. Talvez fosse uma depressão; os que ali viviam não saberiam a diferença.
O Sol brilhava, uma luz de inverno nórdico. Branca, fria, do tipo que torna a visão absolutamente precisa.
E ventava. Não era uma brisa, era um vento vindo não sei de onde que, toda vez que chegava, batia no lençol estendido no varal e retrocedia. O lençol era levado, por este fato, a flamular. Chicoteava a si mesmo no ritmo regular dos ares inquietos.
A princípio não se ouvia nada. Mas o ouvido de um artista, já avisado, logo percebia por sob o alarido das flores esvoaçantes e dos chocalhos fluidos, aquele ritmo emanado pelo mundo.
O ouvido treinado saberia que aquilo não era a ida e vinda do lençol que torturava a si mesmo (apesar deste fato exemplificar perfeitamente os efeitos da batida natural), nem o toque de um galho em seu vizinho, aproximados, também pelos humores atmosféricos.
O ouvido da moça que passava não era, porém, treinado. Ela passou, indiferente ao tempo regular decorrido entre a primeira metade de seu passo e a segunda, consonante com todo o resto.
Seus passos leves, seus sapatos leves mal podiam ser vistos por sob seu vestido. Ela era uma figura monocromática, algo entre o branco e o amarelo; até os cabelos que esvoaçavam, chicoteando como o lençol.
Ela também não se deu conta do fato de cada um de seus passos coincidir com um pingo de água saindo da montanha. Tudo era parte dos sons...normais. Vez ou outra, um pássaro dava uma pirueta no ar e emitia um trinado, não uma batida, que não deixava de ser mais que um adorno.
O mundo pulsava. Todas as criaturas, vivas ou não, pareciam perceber e se inserir. A moça não percebia. Mas o lençol, os pingos, os galhos influenciavam-na. A roupa que ela lavava era levada e trazida pela correnteza; logo, a moça começou a sovar o pano de acordo com o ritmo pulsante, sempre.
Mas ela não percebia.
E os humores atmosféricos pareciam se incomodar com o fato. Eles pareceram explodir em um esforço para chamar a atenção da figura humana, que, singelamente, prendia os cabelos com um lenço, assim que o vento começou a fustigá-los com mais violência. Ela se sentiu despertada, mas ainda sem saber de onde vinha a sensação.
Isso não era suficiente.
Nuvens começaram a se chocar com estrondos. Cinco deles se sucederam antes de surgirem os primeiros fragmentos de água à altura do rosto de uma pessoa. Então, a moça os sentiu.
Os estímulos da luz, do som, do toque frio das gotas, todos combinados, exerceram seu efeito sobre ela. Era latejante. Ela se sentiu impelida a algo. Ao sabor do som do mundo ela se sentia uma marionete sendo levada contra sua vontade... ela resistia, mas algo ribombava em sua cabeça. Latejante. Os fios puxando.
Ela, exasperada, se levantou e andou, correu, seus pés batendo com força na terra, sem mudar o ritmo. Ela chorou. E, então, ela percebeu que seus soluços se adequavam perfeitamente ao latejar, ao pulsar, ao ritmo.
Ela desabou. Diante do descobrimento de que aquilo do que fugia estava tão profundamente incrustado nela. O som retumbante, quase tétrico, continuou impiedosamente, até que, aos poucos, cessou.
Já era suficiente.
Só que ele não cessara. A moça olhou em volta e reparou que o Sol voltara a brilhar, o rio voltara a correr, os galhos a se chocar, os pingos a cair, o vento a açoitar. A moça já estava avisada. Seus ouvidos e todo o seu corpo foram treinados. Ela sabia que o mundo pulsava, escondido atrás da...normalidade.
Mas ela sabia. Todos sabiam. Ela sabia que todos sabiam. Era angustiante saber. Saber e não poder fugir. Estava em todo lugar.
Agora, só lhe restava continuar a viver sua vida.